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Luís Magarinhos

Sonho americano ou europeu?

12:38 09/02/2009

Estamos estas semanas literalmente bombardeados pelas notícias da mudança política nos Estados Unidos. Embora Barack Obama represente um avanço positivo no seu país, é, no final de contas, uma precária tentativa de se aproximar de algum jeito, ao conceito político, econômico e social que vem emergindo na Europa das últimas décadas.

Porque as raízes do atual declive norte-americano vão muito além da questão econômica e mexem com o enfraquecimento dos próprios princípios nos quais se sustenta a sociedade estadunidense e o chamado Sonho Americano.

 Jeremy Rifkin, um estadunidense crítico que sabe perfeitamente como caminha a história, nos diz que o Sonho Americano representa apenas “as idéias dum momento específico da história europeia congelado e transportado integralmente para as praias americanas no século XVIII, onde continua a animar a experiência norte-americana até os nossos dias.” Assim, este sonho, seria uma mistura entre um tipo de fundamentalismo teológico protestante baseado na ideia de sacrifício pessoal, auto-controle e individualismo rústico que os próprios europeus dispensaram há muito tempo, e as concepções de um determinado Iluminismo utilitarista também europeu, fundamentado nas teorias de Locke e Hume sobre o direito natural dos indivíduos à propriedade privada e à exploração depredatória da natureza. Ideias, por sua vez, contestadas por Rousseau e outros, já na Europa daquele momento.

Tendo isto em conta, poderíamos dizer que o apelativo “Novo Mundo” é, em certa medida, equívoco, pois a sociedade e o estilo de vida estadunidense, não são mais do que uma caricatura extrema, e geograficamente adaptada, de um período concreto do passado da Europa compreendido entre os séculos XVI e XVIII. Enquanto certos traços da Europa pós-medieval se vieram desenvolvendo até hoje com impecável e arcaica ortodoxia nos Estados Unidos, os europeus, após múltiplas revoluções, conquistas e confrontos de magnitude trágica, só tiveram uma opção: a da reinvenção permanente.

A União Europeia, integrada por 27 estados e 497 milhões de habitantes, é hoje, com diferença, a primeira potência econômica mundial. O PIB nominal da UE supera em um trilhão de Euros o dos Estados Unidos, e o Euro há tempos que vem desbancando o Dólar como primeira moeda de câmbio no planeta. Muitos países, dentre os quais se encontram a China e a Rússia, estão pensando converter suas reservas em Dólares para Euros. Os próprios britânicos, no hipocentro da crise, e com a Libra em baixa histórica, estão debatendo estas semanas se conseguem evitar a bancarrota – como a Islândia - anexando-se finalmente aos Estados Unidos ou, por outro lado, abraçando ao mesmíssimo Satanás transfigurado em forma de Euro. Sendo a primeira opção inviável só lhes resta a segunda: o Euro.

30% dos europeus, especialmente os mais jovens, já se consideram, sobretudo cidadãos europeus. Fora da Europa, as pessoas continuam a pensar a União Européia como um bloco de diversos países e línguas separadas pelas fronteiras nítidas dos antigos Estados-nação. É certo que ainda existem os Estados que conformam a UE, mas a sua força na conformação identitária do projeto político comum de unidade na diversidade não existe mais. Para as europeias e os europeus é evidente que não existem mais fronteiras internas – físicas ou mentais – dentro da UE, e viajar da Itália ao Reino Unido, da Finlândia a Portugal é tão simples quanto fazê-lo dentro de um Estado. A própria Suíça, que ainda não faz parte formal da UE, vem eliminando as suas fronteiras com a União dando assim um passo a mais na integração.

A UE definiu na estratégia de Lisboa o objetivo de ser a “mais competitiva economia e sociedade do conhecimento no planeta” e hoje a produção cientifica da União Européia já supera a dos Estados Unidos. Também está começando a dar os primeiros frutos a estratégia de criar extensas redes transeuropeias de transporte, comunicação, ciência, tecnologia ou inovação, assim como um sistema de ensino superior unificado e homologável em toda a Europa através do denominado Processo de Bolonha (no qual, além dos 27 estados membros da UE, participam outros países europeus como a Noruega, Ucrânia, Rússia ou Turquia).

Mas a União Europeia, além de ser a primeira potência econômica do planeta, é, sobretudo, um projeto político de vanguarda que idealiza uma resposta sistêmica a questões fundamentais do futuro da humanidade e da biosfera como um todo. A UE representa um modelo de sociedade altamente avançada e preparada para lidar com as problemáticas da nossa era ao se assentar com firmeza nos conceitos contemporâneos da governança multinível em rede, da soberania partilhada e da política processual não hierárquica.
Frente ao individualismo arcaico disseminado nos Estados Unidos e o acrítico “pensamento grupal” da mentalidade asiática, que negligencia a importância da iniciativa individual na construção do bem-estar coletivo, o pensamento europeu consegue sintetizar estes dois extremos focando as suas energias no desenvolvimento de uma sociedade comunitária, sustentável e inclusiva de cidadãos críticos, na qual ninguém fique para trás. Enquanto nos Estados Unidos a liberdade individual se baseia no acúmulo materialista de riquezas e na exclusão dos outros através de uma egocêntrica e obsoleta articulação de fronteira entre o “Meu e o Teu” própria da mentalidade Cowboy. Na Europa, é pela inclusão do indivíduo em amplas redes de socialização e por uma apropriação ou acesso comunitário às diversas formas de propriedade que se atinge a liberdade e o bem-estar coletivo.

A União Europeia é também um projeto profundamente secularizado, embora com uma ambição espiritual elevada, que desde os primórdios fundadores Greco-Latinos, Celtas ou Vikings se assentou numa raiz pagã de respeito e integração com a natureza. As religiões sectárias nunca chegaram a ter sucesso real e profundo entre o povo europeu. E se o tiveram em algum momento, rapidamente foram contestadas por outras formas mais holísticas de entender a vida espiritual e a sacralidade da existência. Seria impensável, e até ridículo, por exemplo, que um responsável político da UE falasse em nome de Deus em um discurso de posse tal como fez o novo mandatário norte-americano há pouco tempo.

Edgar Morin aponta que o rechaço da Europa se entende porque ela conquistou o mundo e ao mesmo tempo nunca foi conquistada por ninguém.  É certo, mas a nova Europa que emerge silenciosamente, já superou esse estágio evolutivo, querendo agora oferecer um projeto pioneiro sem precedentes comparáveis na historia da humanidade, de cidadania democrática, igualdade, bem-estar social, qualidade de vida, diversidade cultural, cosmopolitismo, paz, diálogo planetário, direitos humanos universais, sustentabilidade e desenvolvimento espiritual para a construção responsável de um planeta melhor. Outros ainda bem que tentarão imitar.

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Nacido en 1976, é licenciado en humanidades e defínese como "cidadão europeu da geração Erasmus·. »