Mesmo se é possível encontrar conflitos linguísticos análogos ao nosso em qualquer parte do mundo, vou-me centrar aqui na fantasia sexual de Galicia Bilíngüe (GB): o sistema educativo da Finlândia, número 1 do mundo segundo os últimos relatórios do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), e paraíso miltoniano onde as mães e pais escolhem livremente a língua de instrução das crianças.
A Finlândia pertenceu ao reino da Suécia durante 700 anos, sendo o sueco a língua de prestígio durante todos esses anos. O finlandês começou a recuperar relevância a partir do ressurgimento nacionalista no século XIX. Na actualidade, são línguas oficiais o finlandês, língua materna do 92% da população e o sueco, língua materna do 5'6%. Os principais objectivos da política linguística do Estado são os seguintes: um de natureza ecolinguística, que consiste em respeitar e mimar a minoria suecófona para evitar a sua extinção, um outro de natureza psicolinguística, cujo intuito é conseguir que os estudantes tenham competências amplas em duas línguas (a materna e a outra oficial), e ainda um outro objectivo mais pragmático, que consiste em manter o sueco como língua oficial para aproximar a Finlândia do resto de países nórdicos, dado que o sueco é similar e inteligível com o dinamarquês e o norueguês, enquanto que o finlandês pertence a um grupo não-indoeuropeu mui afastado do resto de línguas do seu contexto geográfico. Graças ao estudo obrigatório do sueco, os estudantes teriam mais fácil a aprendizagem de outras línguas germânicas como o inglês ou o alemão. Para levar a cabo estes objectivos, o Estado está a pôr em prática as estratégias educativas que considera mais apropriadas. O modelo de ensino baseia-se nestas duas medidas: ensino obrigatório da língua sueca em primária e secundária para os alunos que tenham o finlandês como língua de instrução (ou imersão), e possibilidade de receber a instrução em sueco se hai suficiente demanda ou se o estudante mora num concelho considerado como bilingue ou monolingue em Sueco. Um concelho é bilingue se a língua minoritária atinge o 8% da população do concelho ou, no seu defeito, ultrapassa os 3.000 falantes em números absolutos. Por outro lado, é interessante constatar que o sueco falado na Finlândia está regulado polo Instituto de Investigação de Línguas de Finlândia. Este instituto ocupa-se, entre outras cousas, de reintegrar o sueco da Finlândia ao sueco da Suécia evitando empréstimos e decalques do finlandês.
Não é preciso fazer uma análise mui aprofundada para dar-se conta que a situação linguística da Finlândia é o sonho erótico de qualquer nacionalista galego: a língua própria, antigamente dominada, é quem domina numa situação equilibrada de claro monolinguismo social. Hai uma clara hegemonia social do finlandês. O mais irónico e morboso, no entanto, é o facto de o sueco ser ainda uma língua viva no território graças ao proteccionismo benfeitor do Estado que quer aproveitar essa situação para formar indivíduos bilingues e melhor preparados. Que galeguista não sonha com esta Arcádia feliz? Quem não sonha com um galego hegemónico na maioria do território e com o castelão em minoria, mas protegido, numa sociedade de indivíduos mais ou menos bilingues?
Aos olhos de muitos simpatizantes de GB, devemos estar perto de viver nesta Arcádia pois eles mesmos se identificam com os suecófonos da Finlândia, minoritários e em perigo de extinção. Ora bem, é bom diferenciar os adeptos integristas de GB da sua direcção, um pouco mais esperta e realista. O discurso oficial de GB assume que o castelão não está em perigo, o que está em perigo é a liberdade de escolha dos pais. Segundo os dirigentes desta associação, a estratégia do governo finlandês ao respeito do ensino é a mais ajeitada sempre que se aplique num território onde haja duas línguas em contacto. Consideram-na uma estratégia universalmente válida, independentemente do grau de dominação duma das línguas ao respeito da outra. Bom, reconheço que eu sinto certa ternura pola inocência infantil que mostra a direcção de GB ao respeito de temas sociolinguísticos. De facto, o mito erótico da Finlândia acabaria por esvaecer-se quando se dessem conta que qualquer finlandês falante desta língua nunca optaria pola estratégia vigente hoje no país se o finlandês fosse a língua minorizada. Neste caso hipotético, o principal objectivo glotopolítico do Estado não seria preservar o sueco, língua estrangeira dominante, senão mais bem estender desesperadamente a língua própria minorizada fazendo uso dum modelo básico de imersão (talvez com 2/3 horas de sueco à semana como na Catalunya, se fosse um governo 'cool'). É uma questão de simples supervivência. Nenhuma nação se suicida se já venceu o auto-ódio típico do ex-colonizado e conta com as armas políticas dum Estado próprio.
A Finlândia ainda dá para uma última analogia, a mais realista. Se seguimos a tendência do uso do galego desde hai 30 anos, constatamos que a situação actual da Finlândia é uma fotografia exacta da Galiza dentro de 50 ou 60 anos. Mas agora o 5'6% de suecófonos não são os falantes de castelão da nossa Arcádia sonhada, mais um pequeno reduto de intrépidos galegofalantes. Para que a analogia seja perfeita, nessa altura, o novo Instituto de Investigação de Línguas da Galiza (fusão do ILG e da AGAL) procurará desesperadamente reintegrar o galego falado na Galiza ao galego do Portugal e do Brasil.
Para quebrarmos a tendência apocalíptica que mostram friamente os gráficos e as estatísticas do uso do galego entre os mais novos, é preciso novas estratégias e, portanto, novos planos de normalização. Temos que assumir primeiro a realidade: por um lado, o galego já deixou de ser língua maioritária do país entre os menores de 65 anos e, por outro, a 'síndrome do colonizado' (auto-ódio) é ainda um sentimento mui generalizado. Nesta situação já mui precária, discutir se as matemáticas devem ou não impartir-se em galego (a única diferença significativa entre o decreto 1995 frente a decreto 2007) é improdutivo. O uso do galego vai seguir em linha descendente. Desde o meu ponto de vista, deveríamos assumir que, se mantemos os mesmos planos estratégicos, nunca conseguiremos frear o processo acelerado e irreversível de castelanização. Em poucos anos, os galegofalantes seremos um pequeno reduto dentro dum território dominado polo castelão e, tal como os suecos da Finlândia, precisaremos das mesmas medidas de protecção que estes desfrutam, nomeadamente o direito à imersão em galego no ensino.
E que estratégias se poderiam propor? Bem, antes de nada, é fundamental redefinir claramente os objectivos do galeguismo. Sem objectivos claros, não pode haver métodos de actuação eficientes. Penso que o Manifesto pola Hegemonia Social do Galego é um bom ponto de partida. O galego, como o finlandês na Finlândia, debe aspirar a ser língua hegemónica no nosso território. Não é nada novo, mas ultimamente os discursos glotopolíticos atrapalham-se entre bilinguismos harmónicos e patrimónios universais. Para atingir este objectivo, é fundamental analisar a realidade, propor planos estratégicos realistas e aplicá-los. Desde o meu ponto de vista, parece improdutivo manter uma estratégia de consensos sobre a língua baseiados em mínimos avances para a maioria. Um mínimo avance é, por exemplo, consensuar um 30, 40 ou 50% de matérias em galego em primária e secundária. Os acordos de 'mínimos' não permitem visualizar contextos de uso onde o galego seja hegemónico e, além de mais, facilitam o incumprimento sistemático das normas. São perfeitos para manter as velhas inercias dos que só buscam como adaptar-se às novas normas fazendo nada ou o mínimo imprescindível. Em fim, não ajudam a modificar os sentimentos negativos ao respeito da língua. Vejo mais útil propor estratégias baseadas em acordos de 'máximos' para uma minoria. São medidas mais radicais que colocam o galego em situação hegemónica, embora só se apliquem a grupos sociais reduzidos e mais ou menos ideologizados. Uma medida de máximos seria, por exemplo, permitir aos pais e mães optar pola imersão em galego das crianças no ensino obrigatório, com 2/3 horas semanais de língua espanhola.
Penso que esta medida específica pode ser mui produtiva. Primeiro, segundo os dados fornecidos pola consulta da actual Conselharia de Educação, é provável que haja entre um 20 e um 30% de pais e mães interessados nesta opção. Não é um mal começo. Trata-se duma minoria muito mais representativa do que o 5% de suecófonos da Finlândia. Segundo, como o número de professores no modelo de imersão em galego é menor, seria mais fácil melhorar o nível global da língua em que se impartem as matérias. Na actualidade, o galego empregado por parte do professorado é péssimo, problema do que se fala pouco mas que está a causar um grande desprestígio da nossa língua entre o alunado. O facto de termos um grupo reduzido e voluntarioso de professores em galego facilitaria a organização de cursos de formação com o objectivo de melhorar a língua das aulas e dos materiais didácticos. Terceiro, haveria por fim uma concorrência directa entre o ensino em galego e o ensino em castelão, o que permitiria medir o grau de aquisição das duas línguas por parte do alunado em cada um dos dous modelos. Nestes momentos, sabemos que a imersão na língua minorizada é o único modelo onde se assegura que, ao final do período escolar, os alunos tenham competências avançadas nas duas línguas em contacto. A prova: os alunos do modelo D (só éuscaro) no País Basco são os únicos que conseguem notas razoáveis em éuscaro sem baixar da média nacional em castelão. Resultados semelhantes no modelo catalão não fam mais que confirmar a hipótese de partida. Quarto, à diferença do sueco da Finlândia, o galego da Galiza é a língua própria do país, portanto, a percentagem inicial de alunos em imersão poderia (e deveria) ir crescendo a medida que a sociedade fosse interiorizando que o modelo em galego é o mais rendível em termos de qualidade docente, aprendizagem de conteúdos e aquisição de conhecimentos multilingues. Por último, é importante sublinhar que a separação dos alunos em função da língua de instrução não acarreta uma ruptura social em dous blocos linguísticos. Sendo o galego e o castelão duas línguas mui próximas, toda a povoação continuaria a ter, como mínimo, um conhecimento passivo do galego, mesmo nos núcleos urbanos mais castelanizados. De facto, não haveria uma mudança qualitativa ao respeito da situação actual, já que existem muitas escolas em contextos urbanos e na periferia das cidades que, incumprindo os acordos de mínimos, só utilizam o galego de maneira residual.
É certo que a estratégia proposta coincide em muitos aspectos com a de GB, mas esta coincidência deve ser percebida como uma oportunidade e não como uma eiva. Também coincide na percepção mitológica da Finlândia. Mas este mito é visto de duas maneiras bem diferentes. Para GB, a Finlândia representa o mito da liberdade de escolha da língua de instrução. Para os galeguistas, a Finlândia é a fantasia mais morbosa que se pode imaginar: uma Galiza em galego, mas com galegos bilingues e com uma pequena minoria protegida de simpáticos e inofensivos castelão-falantes.
Naceu en Vigo en 1969. É licenciado en Filoloxía Hispánica pola USC e Doutor en Lingüística pola Université Blaise Pascal, Franza. Actualmente, é docente-investigador Ramón y Cajal na USC, especializado en lingüística computacional. Máis información na súa web persoal. »