Não todo começou com a formação deste Governo autonómico em 2009. Antes de 2005, nos longos anos em que governou o mesmo partido, a política praticada tampouco se livrou dos resesos atavismos que justificavam a condenação da língua própria da Galiza, expulsada durante séculos das instituições políticas, administrativas, judiciais e educativas e do culto religioso, mantendo-se viva no uso popular e na rica cultura agrária, marinheira e artesana. Mas, como demonstra o conteúdo do Projecto de Decreto para o Plurilingüismo no ensino não universitário, foi com este Governo quando retornaram os demos históricos, tratando de fechar-lhe o passo ao processo de normalização do uso da língua galega e à crescente consciência colectiva sobre o valor imenso e a transcendência de dispormos dela.
Depois de cinco séculos de imposição do castelam e de proscrição do galego, o tratamento dado à língua da Galiza na Constituição de 1978 não foi justo. Malia ser falada pola esmagadora maioria dos galegos e sendo o tronco originário e uma rama viçosa de um dos idiomas intercontinentais, foi acurrada como minoritária e subordinada. Não se instrumentaram fórmulas democráticas constitucionais respeitosas da diversidade, como entre outras as da Bélgica ou da Confederação Helvética, mantendo-se o status privilegiado do castelam, ao que se lhe deu o carácter exclusivo de língua oficial do Estado espanhol.
Foi a resistência política e cultural da Galiza, Catalunha e Euskadi a que obrigou a reconhecer as suas línguas como oficiais no seu território, sendo o galego ratificado no Estatuto de Autonomia como “a língua própria da Galiza”. Um tratamento reservado para el, de maneira que se o castelam foi declarado oficial foi por causa de ter esse carácter em todo o território estatal. Ao mesmo tempo, e em consequência, as instituições autonómicas receberon a responsabilidade de garantir o emprego do galego em todos os planos da “vida pública, cultural e informativa, dispondo dos meios necessários para facilitar o seu coñecimento”, abrindo-se assim um caminho possível para a sua plena normalização.
As normas estatutárias ficaram recolhidas na Lei de Normalização Linguística aprovada no Parlamento da Galiza em 1983 por todos os deputados e deputadas presentes, resgardando o carácter do galego “como idioma oficial das instituições da Comunidade Autónoma, da sua Administração, da Administração Local e das Entidades dependentes da Comunidade Autónoma”. A respeito do castelam limitou-se a recolher os termos do Estatuto.
No referente à educação, a Lei de Normalização Linguística insistiu na oficialidade da língua própria em todos os níveis educativos, estabelecendo obrigas que não podem prescreber nen serem reinterpretadas mais que modificando o Estatuto de Autonomia, prévia a aprovação polo Parlamento de Galiza e as Cortes estatais e mediante um referendo.
Porém ignorando deveres inexcusábeis e pretendendo amparar-se numa vitória eleitoral, precária e sempre reversíbel, no Projecto de Decreto o Governo Galego nega mesmo determinações legais que fazem parte do corpo constitucional. Não tendo por objectivo principal a potenciação do pleno uso do galego, senão a utilização da aprendizagem do castelhano -que em sí mesma não apresenta nenhum problema- como instrumento para impedir a plena normalização da língua própria, este revirado propósito reflete-se no conjunto do Projecto. Tem uma gravidade específica o facto de na Exposição de Motivos o Governo Galego pretender assentar os seus desígnios numa “consulta às famílias do estudantado no sistema educativo não universitário, com o objecto de conhecer directamente a sua opinião sobre diferentes aspectos da utilização das línguas na educação da Galiza” para orientar o estabelecimento de um “novo marco educativo”. Com isto não só interpreta de um modo depurtado os mandatos do Estatuto de Autonomia e da Lei de Normalição Linguística, senão que toma como um elemento determinante para a instrumentação de normas educativas uma consulta trapalheira, carente de todo valor legal, que teve ademais um carácter secretista e foi interpretada de maneira fraudulenta, com consequências anticonstitucionais e de facto prevaricadoras.
Os que temos ao galego como língua nacional e trabalhamos para que assim se reconheça e se pratique, não podemos ficar satisfeitos com as normas hoje em vigor, por muito que contribuira-mos a estabelecê-las, sabendo que supunham um avanço necessário depois de centos de anos de negação. Queremos a consideração do galego como uma língua estatal, tal como o castelam em Madrid, o inglês em Londres ou o sueco em Estocolmo, sem que isso seja contraditório com o coñecimento de outras línguas, como o irmão português, o castelam, que aqui sabemos melhor sem necessitarmos de ajudas não solicitadas, ou como o inglês e o francês, que não raramente também conhecemos. Não aceitaremos em absoluto que desde um Governo de partidários de volta às catacumbas se ponha em causa o carácter da língua propria e o que até aqui se leva conseguido.
Camilo Nogueira Román naceu en Lavadores (Vigo) en 1936. Enxeñeiro industrial e economista, foi eurodeputado polo BNG entre os anos 1999 e 2004.