Ano após ano, constatávamos impotentes os manifestos signos de degradação. A peregrinagem anual às Fragas do Eume era obrigada. Passamos a nossa juventude a vaticinar: isto vai-se acabar, isto acaba-se. Porém, curiosos mecanismos psicológicos se opõem obstinadamente à evidência da morte. De forma íntima, inconfessável, preferimos questionar a evidência, chamá-la de paranóia. O que sempre esteve aqui, sempre aqui há estar. Wishful thinking. Procurávamos desesperadamente signos que nos falassem de status quo, ou, senão, de estrago infinitesimalmente lento. Voltei hoje às fragas, agora Parque Natural, depois de uma ausência de anos. Acabaram-se. Homem, alguma massa de árvores nobres fica, ao raro.
O paralelismo com o que está a acontecer com a língua é óbvio. Recuo e degradação perante o avanço fantasmagórico do eucalipto. Paralelismo que não é casual, pois ambos os processos não são senão sintomas da mesma doença do espírito. A mais absurda das doenças, até desde o ponto de vista da selecção natural, pois consume a energia vital do doente, para além de ser geneticamente transmissível. Auto-ódio.
Durante séculos parafusaram nas nossas galaicas cabecinhas uma noção malsã do progresso segundo a qual tudo o nosso é atraso e deve ser apagado total e irreversivelmente. Então, estragamos a nossa herdança e destruimos a nossa riqueza. Como na África ou na América do Sul, assumimos como próprios os valores do colonizador e entregamo-nos compulsivamente ao macabro espectáculo do auto-abuso. Se na chaira castelã não há mar, não queremos mar, não queremos bosques, nem danzas ni canciones. Anseiamos desesperadamente ser Castela. Mas este exercício impossível de metamorfose deixa, como no conto de Ende, apenas o nada. Vácuo insuportável. Porque só podemos evoluir a partir do que somos, do amor do que somos, e nunca do desapreço do que somos.
Voltei hoje às falas galegas, agora Língua Regional, depois de uma ausência de anos. Acabaram-se. Homem, alguma palavra jeitosinha fica, ao raro.
Edelmiro Moman Noval nasce em Ferrol no ano da crise do petróleo. Sobrevivente do desmantelamento naval, doutora-se em química para realizar a seguir um longo périplo que o conduzirá através de diversos centros de investigação internacionais. À sua condição semi-nómada soma-se logo a de arraiano, já que, residente no Luxemburgo, atravessa quotidianamente a fronteira para trabalhar da Universidade das Terras do Saar, Pontes do Saar, Alemanha. »