Embora a Conselharia de Educação da Junta da Galiza semelhe estimar que qualquer forma de informação ou de debate constitui uma forma de coacção, o certo é que a rede ferve estes dias com discussões sobre qual deve ser, enviesado inquérito mediante, a futura política linguística educativa na Galiza. Tecnicamente falando, a mãe de todos os debates é a quota que deve corresponder à língua galega no ensino. O incumprido 30% não satisfazia plenamente os que querem dotar o galego da categoria de língua nacional. O salomónico 50% tem a capacidade de exasperar os que vêem no galego um estorvo de terceira categoria no contexto duma Espanha que desejariam mais homogénea. Detrás do véu da disputa percentual descobrimos, como não poderia ser outramente, que o debate real consiste em dirimir qual tem que ser o status que a língua galega ocupe na nossa sociedade. Repare-se aliás, perspectiva preconceituosa, em que sempre falamos da quota que deve corresponder à língua galega no ensino galego e nunca da quota que deve corresponder à língua castelã no ensino galego, nem muito menos da quota que deve corresponder à língua galega no ensino murciano. Partimos da base implícita de que o galego, como para o caso qualquer outra língua distinta do castelão, são contingentes e que apenas este é necessário.
Cingindo-nos ao estritamente académico, sempre acháramos um bocadinho absurdo e até contraproducente o sistema de quotas linguísticas, vigente na Comunidade Autónoma galega depois da proclamação da segunda restauração borbónica na Espanha. Que sentido tem, por exemplo, que uma aluna remate o ensino secundário sabendo todas as matemáticas em castelão e toda a biologia em galego? Para os que anseiam a eutanásia, quer activa, quer passiva, para o galego, a solução a este dilema é clara: tudo em castelão e pronto. No outro cabo do espectro, a maioria dos que apostam pelas mil primaveras mais para a nossa língua não ousam, contudo, propor um outro modelo.
Cientes de nadar contracorrente, vamos teimar mais uma vez numa possível terceira via para o galego: uma solução à la luxembourgeoise. Tem Luxemburgo três línguas oficiais: luxemburguês, alemão e francês. O luxemburguês é uma língua germânica muito próxima do alemão, embora com influências do francês (as analogias com o caso galego são evidentes). Ora, como pode um país ter três línguas oficiais? De acordo com determinados neodarwinistas-pró-etnocidio-ativo uma tal situação arriscaria a provocar o colapso neuronal dos mais jovens para além de desencadear traumatizantes conflitos cognitivos e emocionais. Impossível. Porém, que não se espalhe o pânico, não semelha ser o caso. Vivem as crianças e adolescentes luxemburgueses umas vidas tão tranquilas como lhes permitem as suas hormonas e não parece que essa placidez de carácter se veja alterada na idade adulta.
O leitor que tenha tido a paciência de ler até aqui, estará a perguntar-se qual pode ser o segredo que explicaria tais maravilhosos portentos. Os segregacionistas imaginarão um Luxemburgo dividido em comunidades linguísticas fechadas onde os pais escolhem a língua veicular do ensino e erguem altos valados linguísticos para que os seus pequenos não se contaminem de patois nenhum. Os partidários das quotas suporão que os luxemburgueses falam de química apenas em alemão, de gastronomia em francês e de história em luxemburguês. Felizmente, a realidade é distinta.
O sistema luxemburguês de ensino está dividido, no que diz à língua veicular, em três etapas. A primeira etapa cobre o ensino pré-escolar e a maior parte da primária e nela produz-se uma imersão linguística quase completa em luxemburguês, estudando-se também as línguas cooficiais, alemão e francês, e outras como o inglês. É o luxemburguês um povo próspero e orgulhoso (poderia ter chegado a ser próspero sem ser antes orgulhoso?) e como tal, cuida do seu património, incluindo sem dúvida no conceito de património tudo o que atinge a sua herdança cultural e linguística. A língua luxemburguesa tem de ser, já que logo, o primeiro. Ao longo do ensino primário produz-se uma paulatina substituição do luxemburguês pelo alto-alemão, que passa ser língua veicular nos últimos anos da primária. Por último, durante a secundária, o alemão vai sendo progressivamente substituído pelo francês, que é a língua veicular nos últimos anos da secundária. Assim, para obter o diploma de Nível Secundário de Educação o alunado deve demonstrar uma competência adequada das três línguas oficiais e ser capaz de se desenvolver com fluidez em todas elas qualquer que for a matéria de conversação.
Mas a complexidade da situação linguística luxemburguesa não se restringe à aprendizagem das três línguas cooficiais. Num país de meio milhão de habitantes que concentra vários milhares de funcionários públicos das instituições europeias, provenientes de 27 países, na sua capital, o inglês tem-se convertido em mais uma língua franca de facto. Para mais, como todo país próspero, Luxemburgo é receptor de imigração. Entre os imigrantes predominam amplamente os portugueses e os oriundos doutros países galegófonos, resultando que a nossa língua é a quarta mais falada no país, atrás apenas das três oficiais, o que faz com que muitos documentos informativos e formulários oficiais sejam disponibilizados também em galego-português.
Se a diversidade linguística vem sendo um castigo divino, nesta pequena Babel que é o Luxemburgo, não virarão tolos os seus habitantes ante semelhante galimatias linguístico? Não. Adestrados os cérebros no plurilinguismo desde o berço, os luxemburgueses mostram uma grande facilidade para aprender línguas, adaptam-se com naturalidade à língua do seu interlocutor e participam como se nada se passasse em conversas multilingues. Vemos, pois, como o respeito e conservação do legado dos nossos antepassados é perfeitamente compatível, e ainda facilita, o multilinguismo e o cosmopolitismo. O luxemburguês é ponte entre duas das línguas mais importantes da Europa, assim como o galego é ponte entre duas das línguas mais extensas do mundo.
Para finalizar, quisera oferecer apenas um pequeno exemplo de como os luxemburgueses souberam também monetarizar este imenso capital linguístico. Não é por acaso que a maior companhia europeia de rádio e televisão, o RTL Group, sedeado no Luxemburgo, tivera as suas origens na Compagnie Luxembourgeoise de Télédiffusion, que foi conquistando mercados progressivamente, em parte, graças à sua facilidade para oferecer conteúdos em diversas línguas (originalmente luxemburguês, alemão, francês, inglês e neerlandês). Vamos capitalizar nós também a nossa riqueza linguística ou vamos deixá-la esmorecer definitivamente?
Edelmiro Moman Noval nasce em Ferrol no ano da crise do petróleo. Sobrevivente do desmantelamento naval, doutora-se em química para realizar a seguir um longo périplo que o conduzirá através de diversos centros de investigação internacionais. À sua condição semi-nómada soma-se logo a de arraiano, já que, residente no Luxemburgo, atravessa quotidianamente a fronteira para trabalhar da Universidade das Terras do Saar, Pontes do Saar, Alemanha. »