“Non entendes iso porque non entendes nada(...) Aludir ás subvencións é unha canallada”. Estas foram as amáveis palavras com as que Darío Xohán Cabana aclarou as minhas dúvidas sobre a problemática da tradução na Galiza, após uma charla na que o muito respeitável autor e tradutor dissertou sobre este tema. Hei de reconhecer que acudi animado à dissertação-colóquio, pois considerava de muito interesse o que um Galeguista de esquerdas, comprometido com o país desde há tantos anos, podia contar. Após um percorrido pola história da tradução na Galiza, muito ilustrativo, o autor centrou-se no que considera grave problema para o país: A ausência de traduções de clássicos da literatura universal para o galego.
Na opinião do autor e tradutor, os galegos e galegas vemo-nos na triste obriga de recorrer constantemente a traduções que não estão na nossa língua quando se trata de lermos muitas das obras dos grandes pensadores e criadores da humanidade, como Dostoievski, Heidegger ou Baudelaire. A solução que o autor de “Galván en Saor” ofereceu ao respeito passa pola criação duma grande editorial galega, gerida com dinheiros públicos, e encarregada da publicação em galego dos grandes clássicos universais, algo inviável para uma editora privada. Assim, sem entrar em muito detalhe, transcorreu a dissertação. A charla, para mim, foi fluída e creio, incluso, que houve momentos de cumplicidade com alguns dos pontos que o autor tratava. Até que se me ocorreu participar no colóquio para dizer que eu –e, felizmente, cada vez mais pessoas– já lemos os grandes clássicos universais em galego. Simplesmente com vencer a preguiça que custa acudir às edições na variante brasileira ou portuguesa da nossa língua temos acesso às grandes obras da literatura universal em galego. Isto é algo que admitimos com normalidade para outras línguas. Por exemplo eu, que falo espanhol da Galiza, tenho lido traduções para o espanhol de obras em edição mexicana ou argentina. Logicamente o espanhol dessas obras tem giros lingüísticos inexistentes no espanhol que se fala na Galiza, ou mesmo no espanhol estândar do Reino de Espanha, mas não por isso esses livros deixam de estar escritos em espanhol. Algo muito semelhante ocorre-me com o inglês, já que eu aprendera esta língua na Escócia e, porém, leio textos redigidos em inglês da Inglaterra ou em inglês americano, variantes todas elas da língua inglesa. Por que muitos galegos, entre eles Darío Xohán Cabana, optam por ignorar o privilégio que significa possuirmos uma língua internacional à hora de aceder aos clássicos da literatura universal? Certo é que nas edições portuguesas ou brasileiras topamos com giros lingüísticos próprios do galego de Portugal ou do galego do Brasil e pessoalmente admito que amiúde prefiro ler um texto ajeitado às peculiaridades lexicais e de estilo do português da Galiza, mas isto não devera ser um argumento sólido para ignorarmos o privilégio que supõe o facto de possuirmos uma língua internacional. Não seria melhor, para o Galeguismo, fazer trabalho de pedagogia orientado à consecução dum povo galego plenamente conscientizado das imensas vantagens –também, por suposto, no eido da tradução– que oferece a realidade de falarmos uma língua compartida com mais de 290 milhões de pessoas? Eu não entendo que livremente se opte por obviar estas potencialidades, e assim o fez constar no colóquio; estou certo de que há factores puramente ideológicos, próprios da ideologia lingüística que imagina o galego como língua independente do português, para assumir esta atitude mas, durante a sua dissertação, o autor de Roás aludira a esse velho axioma marxista que diz que na última instância são as relações económicas as que determinam os processos sociais. Eu, ainda sem querer cair em determinismos, temo que algo disso poda haver e, conseqüentemente, sugeri que o pernicioso negócio gerado polas subvenções económicas a edições em galego ILG-RAG (só em galego ILG-RAG, daí o “pernicioso”) seja um factor a ter em conta se queremos compreender por que há pessoas tão raivosamente interessadas em negar o acesso dos galegos e galegas à literatura universal na nossa língua (dum ponto de vista estritamente empresarial, se eu sou editor e vivo das subvenções para edições de livros de leitura obrigatória no ensino, não me interessa competir contra a indústria editorial portuguesa, por exemplo, que poderia introduzir toda a sua oferta editorial na Galiza). Como digo, não tenho em absoluto certeza de que isto seja assim –e oxalá não o seja– só argumentação teórica sobre o jeito em que funciona o mercado –todos os mercados engendram interesses objectivos de classe–, mas tampouco penso que discutir sobre os usos dos nossos dinheiros públicos deva ser tabu para qualquer pessoa com cultura democrática.
Enfim, esquecera já o título deste artigo. A quê morte alude o cabeçalho, perguntaredes-vos. Velai uma pista:
“Sempre, sempre, lembrarei aquelas primeiras xuntanzas do ano 1918, cando comprobamos que, por falarmos en galego, podíamos discutir sen disputar. E sobor de todo aquel sentido afán de chamarnos “irmáns”. Dividírase o galeguismo; pero difundírase. Non hai dúvida de que era para xuntar a toda Galiza n-un anceio coleitivo de liberdade”
Castelao, Sempre en Galiza, pp. 185-6.
Nota: Alguém poderia interpretar a alusão aos interesses económicos do mundo editorial galego como um ataque. Saiba quem assim pense que a única motivação que busco na crítica é o avance do projecto galeguista. Se é que o único motivo para obviar a vantagem que nos oferece a lusofonia é ideológico, não há problema, cadaquem que trabalhe no seu eido do jeito que quiser. Mas que aceitem que estas questões se podam e devam discutir sem disputar, como dizia o mestre.
Arturo de Nieves Gutiérrez de Rubalcava (A Crunha, 1983). Licenciado em Sociologia pola Universidade da Crunha e Bachelor of Science with Honours in Sociology pola Universidade de Abertay Dundee. Actualmente realiza estudos de doutoramento na Universidade da Crunha. Entre os seus interesses investigadores destacam temas como a língua, a identidade colectiva ou o comportamento eleitoral na Galiza contemporânea. »