“Eu queria viver na Suíça” disse-me uma mulher o outro dia no meu gabinete. A primeira vez que alguém manifestou esse desejo não me chocou, mas logo de que quatro pessoas, de lugares diferentes, expressaram esse mesmo desejo no que vai de outono, decidi fazer averiguações.
-E por que querias, se posso perguntar?
-Pois queria porque lá a gente pode ir ao seu...
Não soube o que queria dizer com isso de ‘a gente poder ir ao seu...’. Pensei que seria algum andaço televisivo que em lugar de provocar o desejo involuntário, habitual, de tomar Coca-Cola lhes dera a todos por quererem ir para a Suíça; talvez aos desenhadores que planificadamente colocam as mensagens subliminares se lhes colaram estampas nevadas e bucólico-saudosas que a todos nos encantam, e deixei de lhe dar voltas ao assunto.
Mas o acaso, que nunca acontece por acaso, veio pôr no meu caminho uma pessoa que regressava da Suíça, de uma viagem por motivos profissionais, e comentei-lhe o caso, e ele ilustrou-me...
Foi assim que entendi o que verdadeiramente significa ‘a gente poder ir ao seu’. Acontece que, na Suíça, estado plurilíngue como o espanhol, cada cantão faz a vida completamente na sua língua, as escolas são única e exclusivamente na língua do cantão. E o mais maravilhoso é que o Estado tem o dever de conhecer as línguas de todos os cantões, e o dever de garantir que cada pessoa seja atendida sempre na língua autóctone do seu cantão. Foi assim que compreendi o que a gente, que manifestara aquela queixa vaga e estanha de querer ir para a Suíça, desejava.
Nós aqui na Galiza vivemos no mundo ao revés. Estamos também num estado plurilingue, dominado polos do cantão castelhano, e o estado só entende, e só usa, a língua dos desse cantão... A pergunta a esta altura devia ser: Como é que nós consentimos a fazer parte dum estado que não nos representa... Que não nos respeita, que não nos quer... E que mesmo amostra não gostar de nós...?
Alguns argumentam... 'É que o castelhano já o sabe todo o mundo' (argumento que não seria argumento; como não o seria se alguém dissesse que como as mulheres sabem como fazer as tarefas domésticas, e muitos homens não sabem, que sigam fazendo apenas elas). Mas ainda por cima, este falaz e estúpido argumento, no caso dá língua, é falso; a dia de hoje essa afirmação é mentira... Eu própria conheço gente, e mais que conhecia... que não se sabe exprimir em castelhano; ainda conheço pessoas que quando o médico lhes diz: ‘vuelva el Jueves’ elas depois perguntam: ‘O ghueves que é... é a quarta ou é a quinta?’ ‘É a quinta mulher é a quinta...’ Eu, mesmo que tenha aprendido quarta e quinta primeiro... já depois na escola mos rescreveram como “miercoles e jueves”.
Ir ao médico e que te trate como se a estrangeira fosses tu... Levamos muitos anos sendo tratados por estrangeiros, mas feito com tal arrogância como para nos fazer sentir que os estrangeiros éramos nós... Levam anos apagando em nós a língua, a cultura, e acho que também a dignidade, pois não se pode submeter nem dominar uma pessoa sem destrui-la primeiro psicologicamente... Ora bem, uma vez conseguido esse submetimento a gente deixa de perceber a realidade como ela é e passa a percebê-la como vista polos olhos do dominador...
O primeiro passo e descolonizar a mente, perceber a realidade, ver o absurdo da sua proposta... Sei que um dia assim tem de ser, tarde o que tardar, mas por enquanto não é assim, o estado, e os kapos que vão recrutando para a sua causa, irão querer-nos fazer pensar que os que não vemos o que eles querem que vejamos, somos loucos... Eu hoje acordei com uns desejos imensos de ir para a Suíça... diz que o inconsciente sabe o que ele faz... Lá eu escolho o cantão e a sua língua; sei que não me vai passar o que aqui nos acontece, que nos cortam a nossa língua para que caiba na cama de Procusto do cantão dos arrogantes...
Concha Rousia nasceu em 1962 em Covas, uma pequena aldeia no sul da Galiza. É psicoterapeuta na comarca de Compostela. No 2004 ganhou o Prémio de Narrativa do Concelho de Marim. Tem publicado poemas e relatos em diversas revistas galegas como Agália ou A Folha da Fouce. Fez parte da equipa fundadora da revista cultural "A Regueifa". Colabora em diversos jornais galegos. O seu primeiro romance As sete fontes, foi publicado em formato e-book pola editora digital portuguesa ArcosOnline. Recentemente, em 2006, ganhou o Certame Literário Feminista do Condado. »