Roubaram a nossa história para enchê-la de mentiras onde eles poderem aparecer como heróis. Modificaram a cinzel nas pedras sacras os nomes dos nossos reis galegos para fazê-los passar por reis de Castela...
Traçaram fronteiras políticas deixando fora do nosso território parte de nós, da nossa cultura e língua, à intempérie de Castela onde nunca foram respeitadas, e onde estão sendo brutalmente abafadas...
E falam de liberdade
Forçaram à nossa gente, e eu falo por meu pai, a irem a uma guerra contra nós próprios para defender os interesses duma Espanha negra e sanguinária... Procuravam com sanha e obsessão a todo aquele que podiam converter em seu conscrito; até na estrumeira e no esterco iam espetar as galhas por ver se alguém lá se ocultara...
E falam de liberdade
Mataram aos que defenderam a nossa língua e cultura; como a Alexandre Bóveda, que se negou a renegar a sua mãe Galiza... e foi por isso que o assassinaram... Outros foram arrancados de casa para morrerem desterrados no exílio...
E falam de liberdadeProibiram-nos falar na escola, e até polas ruas éramos humilhados e castigados por falar na nossa língua, mesmo sem sabermos outra...
E falam de liberdade
Levaram às últimas gerações de galegos e galegas, os mais jovens, os mais necessários, a renunciar à própria língua; o que, mesmo sem precisar fazer uma analise desde as teorias sociológicas de Compte, podemos catalogar de suicídio linguístico induzido...
E falam de liberdade
Invadem as nossas casas com dúzias de canais de televisão espanhóis, permitindo-nos em galego apenas uma televisãozinha que mais parece uma brincadeira... Enchendo-nos de castelhanismos até no caldo; a dia de hoje é quase impossível encontrar uma pessoa na que não se notem as cicatrizes dos embates do castelhano... E o que nos podia imunizar, as televisões portuguesas, é proibido por mais que nos as queiramos...
E falam de liberdade
Trás séculos de proibição, quando finalmente nos permitem escrever na nossa língua, impõem-nos a ortografia do castelhano... (chamai-lhes parvos)
E falam de liberdade
Não, senhores e senhoras da direita espanhola, vivam vocês em Madrid, em Vigo, ou mesmo que tenham um carguinho na Junta, vocês não conhecem a palavra liberdade... e se alguma vez pensarem que a estão a dizer, reparem bem, e tenham certeza de que é outra palavra disfarçada; porque essa, a liberdade, é demasiado digna e demasiado grande, e nas suas bocas não cabe... Que na Galiza tenhamos que estar obrigados a falar castelhano, e que tenhamos que respeitar essa língua que sempre nos foi, e nos segue a ser, imposta como se fosse algo nosso, pode ser chamado como vocês queiram mas não o chamem liberdade...
Que essa língua castelhana, que tem um estado que a promove... um estado que esquece as outras três línguas oficiais nele, como se não fossem línguas do estado... tenha ademais a Juntinha para a promover, a defender, e a impor, é qualquer cousa menos liberdade...E por se isso não chegar, temos mais... temos uma nova Lei da Função Pública, aprovada pola atual Junta-de-cartão-pedra, segundo a qual aos galegos e galegas nos pode ser negado o direito a ser atendidos na nossa língua, a língua própria da Galiza, porque esse direito é reservado para o senhor funcionário...
E falam de liberdade.
Vocês, para que se façam uma ideia, são como o cuco, que não se contenta com pôr o ovo em ninho alheio, para que outro passarinho lho incube; quando esse ovo abre e sai o filho do cuco, ao ser mais grande, e talvez mais mau, que os outros ‘irmãos' onde ele fora acolhido, o primeiro que faz é puxá-los fora do ninho; condenando aos pais dos passarinhos caídos a criá-lo apenas a ele. Podem vocês chamá-lo crueldade animal, natureza desapiedada, primitivismo comportamental... ou mesmo assassinato, mas não, não o chamem liberdade.
Concha Rousia nasceu em 1962 em Covas, uma pequena aldeia no sul da Galiza. É psicoterapeuta na comarca de Compostela. No 2004 ganhou o Prémio de Narrativa do Concelho de Marim. Tem publicado poemas e relatos em diversas revistas galegas como Agália ou A Folha da Fouce. Fez parte da equipa fundadora da revista cultural "A Regueifa". Colabora em diversos jornais galegos. O seu primeiro romance As sete fontes, foi publicado em formato e-book pola editora digital portuguesa ArcosOnline. Recentemente, em 2006, ganhou o Certame Literário Feminista do Condado. »