Botamos nove meninhos pola borda, tiramo-los para fora do caiuco e nem os choramos. Eles foram morrendo por esses incertos caminhos de água... Nove mães, nove famílias, nove vidas que engole o mar da abundância na que nós vivemos... o mar que aprendeu a ser moderno fojo de crocodilos que protege o nosso, também moderno, castelo.
É estranha esta nova Idade Média na que, julgo eu, não temos sequer que ver nem que sentir os berros dos que matamos. É claro que não foi nós individualmente que levamos a esses nove miúdos a subir ao caiuco, mas é por nós que eles subiram; sim por nós e por esse mundo no que nós desenhamos a comida toda do nosso lado...
Desenhamo-lo num plano invisível que aligeira a nossa consciência... a culpa é da sociedade, ou dos ricos, ou dos políticos, ou mesmo só dos Iankis... com estes modernos métodos de confissão ateia não se descarga de culpa quem não quer; e para o religioso de fés em deuses salvadores e castigadores, a cousa é ainda bem mais fácil.
Nove meninhos que procuravam um lugar onde poder ser criança... nove meninhos que ao parecer já sentiam que sobravam; sobravam no lugar que os expulsou e sobravam no lugar que os não ia acolher. E eu pergunto-me, sabendo que não poderei achar resposta, mas pergunto-me: se eu fosse no caiuco, que queria ser melhor... mãe ou criança?
O que distingue uma sociedade bárbara de outra menos bárbara não é o muito que os seres humanos podem chegar a sofrer nela; não, não é isso, o que converte uma sociedade em bárbara é a alta tolerância para o sofrimento dos demais, é o muito bem que podemos aguentar que outros seres humanos padeçam... é que nos morram nove meninhos, que os botemos pola borda (é claro que não o fizemos com as nossas próprias mãos) e que nem os choremos.
Concha Rousia nasceu em 1962 em Covas, uma pequena aldeia no sul da Galiza. É psicoterapeuta na comarca de Compostela. No 2004 ganhou o Prémio de Narrativa do Concelho de Marim. Tem publicado poemas e relatos em diversas revistas galegas como Agália ou A Folha da Fouce. Fez parte da equipa fundadora da revista cultural "A Regueifa". Colabora em diversos jornais galegos. O seu primeiro romance As sete fontes, foi publicado em formato e-book pola editora digital portuguesa ArcosOnline. Recentemente, em 2006, ganhou o Certame Literário Feminista do Condado. »