...loguinho de clarear enquanto no povo medrem um meninho, um velho e um cantar... Corriam anos 80 com a fita de Fuxan os Ventos sempre a encher de esperanças o Seat 127 no que íamos dum lado para o outro carrejando os nossos sonhos... Chegou a hora de contar os votos e não deram para nós ter um representante por Ourense e colocar a bandeira da estrela na varanda da casa como esperávamos fazer durante a celebração... Mas não houve nada que festejar, aquela noite fora mais uma jornada de silêncios e de rostos tristes regressando à aldeia pola mesma estrada que serpenteia montanha acima, a estrada pola que os nossos inimigos, e não só adversários, carrejaram os votos da nossa gente; a uma mulher aquele dia, tal como ela nos contara depois, romperam-lhe em anacos o que ela levava da casa e deram-lhe um dos deles... Essa mulher ainda hoje diz com raiva “...e eu para não mostrar que não sabia ler e que não podia escolher outro, votei o deles...”
Aquela noite todos pensávamos que nunca iria clarear para podermos sementar nas nossas desprezadas, e aquele dia também tristes, terras; nos nossos desprezados, até mesmo polos que os habitávamos, montes e vales... Ora, como se soube resistir, chegou o dia em que os votos foram suficientes para que Alfredo Suarez Canal pudesse ir com as nossas vozes ao Parlamento; anos depois os votos abondaram para ele se converter no conselheiro do Meio Rural... ‘e isso que já nem meio nos quedava’ como dizia a piada do Carrabouxo, depois de tantos anos da desfeita levada a cabo por gentes em cuja cabeça não está o mapa da Galiza senão o de Espanha. O Estado Espanhol, que não é tão parvo como quer fazer-nos pensar a nós, sempre soube que a identidade que fortalece o nosso povo reside no meio rural, nas cidades a resistência cultural era fraca; e por tanto sempre souberam que era só questão de o ir deixando, e mesmo ajudando com políticas agressivas, esmorecer. Nós sentíamos isso na nossa própria carne e sabíamos que tínhamos que nos ir com o nosso mundo nas malas para a emigração.
Algumas de nós tivéramos a fortuna, que veio por acaso, de ir para um centro de estudos, em vez de ir para a fabrica de esponjas de Barcelona que já nos aguardava, ou para a casa dos senhores, servir e limpar wateres. Duas raparigas da minha aldeia fôramos para uma das antigas Universidades Laborais franquistas (a de Vigo), feitas com toda a intenção de misturar a gentes de diversas partes do Estado para que se apagassem as diferenças nas nossas identidades. No meu quarto havia mais outras 5 internas cada uma de uma cidade espanhola diferente... a outra moça da minha aldeia, que era minha prima, estava num quarto longe do meu... Tínhamos 14 anos e aquele mundo alheio que nós engolia em silêncio, fazia-nos parecer que o nosso, que ocultávamos lá dentro de nós, era diminuto...
Mas com o passo do tempo, e o trabalho da gente resistente, chegou à Conselharia do Meio Rural o tempo, não sem erros, de sementar, o tempo dos carvalhos, o tempo de valorizar o monte que ficava no mais intencionado abandono, o tempo de o manter limpo, de lhe limitar o espaço aos estrangeiros eucaliptos; em definitiva, o tempo de fazer possível a vida no nosso campo para muitas jovens famílias... o tempo de criar o ‘banco de terras’ muito em sintonia com a forma tradicional de usar as leiras, veigas e cortinhas dos vizinhos que as não necessitavam... O tempo, em definitiva, de dignificar o nosso jeito, tão longamente desprezado, de fazer as cousas, pois nós sempre reutilizávamos tudo, nós reciclávamos tudo... nada se deitava fora, não até que chegaram os múltiplos e excessivos produtos do mundo industrial, do que ademais nos fizeram dependentes, com os seus hábitos de deitar tudo ao lixo... E mesmo assim a gente continuou com o habito de reutilizar... mesmo que seja de duvidosa beleza ver o somier de cancela duma leira... (mas talvez há que olhar mais longe dessa cancela para não interpretar tudo desde uma estética vazia...)
Quero pensar que os erros cometidos, porque erros tem de haver, o contrário indicaria que nada foi feito, serão tidos em conta para melhorar a sementeira nesta primavera que já se aproxima. Segue a haver negras e ameaçadoras nuvens sobre as nossas cabeças, e também falsas clareiras que não andam muito longe dessas nuvens, mas nem umas nem as outras poderão evitar a luz par nós ver quais são os produtos da Terra que temos para sementar, temos até onde escolher sem necessidade da semente de fora, que mesmo que pareça que se poder dar bem, sempre acaba por não se adaptar e nunca pode produzir como a semente do país... Nesta primavera não só teremos ocasião de sementar, nesta primavera teremos ocasião de revitalizar o nosso mundo rural, as verdadeiras raízes da nossa Terra.
Concha Rousia nasceu em 1962 em Covas, uma pequena aldeia no sul da Galiza. É psicoterapeuta na comarca de Compostela. No 2004 ganhou o Prémio de Narrativa do Concelho de Marim. Tem publicado poemas e relatos em diversas revistas galegas como Agália ou A Folha da Fouce. Fez parte da equipa fundadora da revista cultural "A Regueifa". Colabora em diversos jornais galegos. O seu primeiro romance As sete fontes, foi publicado em formato e-book pola editora digital portuguesa ArcosOnline. Recentemente, em 2006, ganhou o Certame Literário Feminista do Condado. »